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 INFECTIOUS DISEASE

BACTERIOLOGY IMMUNOLOGY MYCOLOGY PARASITOLOGY VIROLOGY
 


 

VIROLOGIA – CAPÍTULO VINTE E CINCO 

CORONA VÍRUS:

COLDS, SARS, MERS E COVID-19

Dr Richard Hunt
Professor
Department of Pathology, Microbiology and Immunology
University of South Carolina School of Medicine
Columbia
South Carolina

Tradução:
PhD. Myres Hopkins

 

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Logo image © Jeffrey Nelson, Rush University, Chicago, Illinois  and The MicrobeLibrary
corona-cdc.jpg (73328 bytes) 

corona2.jpg (52304 bytes)  Figura 1
Coronavírus é um grupo de vírus que têm um halo com aparência de coroa quando visto ao microscópio
CDC/Dr. Fred Murphy (top) CDC/Dr. Erskine Palmer (bottom)

 

INTRODUÇÃO

Coronavírus (figura 1) são os maiores vírus de RNA e têm cerca de 100nm de diâmetro. Eles infectam humanos e animais nos quais eles causam doença respiratória e entérica.

A ordem Nidovirales de vírus que infecta vertebrados (incluindo humanos) e hospedeiros invertebrados consiste em quatro famílias:

  • Coronaviridae. Há duas famílias - Coronavirinae (Coronavírus), que infecta mamíferos e aves e a Torovirinae (Torovírus) (figura 2) que infecta vertebrados, especialmente gado, porcos e cavalos.
  • Arteriviridae que infecta vertebrados, mamíferos em maioria, incluindo o vírus da arterite equina.
  • Roniviridae que infecta crustáceos.
  • Mesoniviridae que infecta insetos.

          Eles são vírus de RNA grandes, de fita única de sentido positivo (sentido do RNAm) , envelopados e há sete, todos coronavírus que são conhecidos por causar doença humana.

Este capítulo irá discutir apenas os Coronavírus, visto que eles são particularmente importantes em doença respiratória humana, causando cerca de um terço dos “resfriados comuns” e as recentemente reconhecidas síndromes respiratórias agudas graves: SARS, MERS e COVID-19.

 

toro.jpg (51701 bytes)  Figura 2 Torovírus
© Queen's University, Belfast

Coronavíruses

Corona = Latin: crown, κορώνη da Grécia Antiga – pelo fato de se parecer com coroas-de-espinhos em uma microscopia eletrônica.

Os Coronavírus são os mais importantes da Ordem Nidovirales em doença humana e são divididos em quatro gêneros:

Alfa-coronavírus, que inclui HCoV-NL63 e HCoV-229E que normalmente causa infecções amenas do trato respiratório superior em humanos. O vírus da diarréia epidêmica suina é também um membro desta classe de coronavírus.

Beta-coronavírus, que inclui MERS CoV, SARS CoV-1 e SARS CoV-2 (que causa a doença COVID-19) e HCoV-OC43 e HCoV-HKU1 (que normalmente causa sintomas respiratórios menos severos) 

Gama-coronavírus, que infecta principalmente aves.

Delta-coronavírus, que também infecta principalmente aves, embora o coronavírus delta suino seja importante na pecuária. Ele emergiu em 2014 e pode ter partido de um hospedeiro aviário.

           Três β-coronavírus têm causado epidemias de pneumonia mortal em humanos desde o início deste século. A síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-1) (do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus) foi inicialmente relatada em 2002. A doença que ele provoca, a síndrome respiratoria aguda grave (SARS) é altamente infecciosa e tem um alto índice de fatalidade de 10%. Seu epicentro foi a China e Hong Kong, mas foi amplamente contida em 2003, embora alguns casos adicionais ocorreram em 2004.

A síndrome respiratória do oriente médio pelo Coronavírus MERS-CoV (do inglês Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus) emergiu na Arábia Saudita e outros países da Península Arábica em 2012. A síndrome Respiratoria do Oriente Médio (MERS) tem um índice de fatalidade muito alto em humanos de cerca de 35%. Há também casos de MERS associados a viagens na Europa, Ásia e América do Norte. Em maio de 2014 o CDC relatou dois casos importantes de MERS nos Estados Unidos em pessoas que haviam viajado da Arábia Saudita.

SARS CoV-2 é o agente causador da Doença do Corona Vírus 2019 (COVID-19) que abarcou o globo em uma doença pandêmica em 2020. Assim como na SARS, o epicentro da COVID-19 foi a China (Wuhan, a capital da Província de Hubei). Foi provada altamente infecciosa e tem um índice de fatalidade em torno de 2%, embora isso possa mudar à medida que novos dados se tornem disponíveis. A mortalidade ocorre mais proeminentemente entre os idosos com complicações co-mórbidas, mas pessoas de todas as idades têm morrido por causa da doença.

Todos os três coronavírus são vírus zoonóticos (provém de animais) que cruzam barreiras de espécies. Morcegos são os hospedeiros animais primários para o MERS CoV e SARS CoV-1 e -2. SARS CoV-1 pode ter passado de morcegos para humanos via os chamados musang ou civeta de palmeira asiática, enquanto o SARS CoV-2 pode ter infectado humanos a partir de morcegos via pangolins, também animais asiáticos. Em ambos os casos, o vírus provavelmente infectou humanos que tiveram contato com animais selvagens em mercados de animais selvagens vivos na China. Os hospedeiros intermediários do MERS CoV são camelos dromedários.

Vários outros coronavírus zoonóticos são endêmicos na pupulação humana. Eles causam cerca de um terço das infecções do trato respiratório como rinorréia (nariz escorrendo), dor de cabeça, espirros, moleza e dor de garganta    ganta. Corisa (inflamação aguda do trato respiratório superior) com febre e tosse é vista em 10 a 20% dos casos. Em alguns casos, estas consideradas infecções amenas podem levar a complicações severas ou morte em crianças pequenas, nos idosos e indivíduos imunocomprometidos. Esses vírus que também podem causar diarréia são HCoV-NL63 e HCoV-229E (alfa), HCoV-OC43 e HCoV-HKU1 (beta).

Por Quê Morcegos?

 

 

 

CORONAVÍRUS “RESFRIADOS”

Em humanos, cerca de um terço dos resfriados são causados pelos coronavírus, sendo o principal local de replicação dos coronavírus as células epiteliais do trato respiratório. Os sintomas são semelhantes ao dos resfriados por rinovírus com um período de incubação de cerca de 3 dias. A disseminação viral é limitada pela resposta imune de muitos pacientes, mas esta imunidade tem vida curta. Os sintomas podem durar cerca de uma semana com variações consideráveis entre os pacientes. Muitas vezes não há sintoma aparente, mas o paciente ainda elimina o vírus infeccioso.

Embora infecções por coronavírus sejam normalmente localizadas no trato respiratório superior, elas podem se espalhar por outros órgãos. Em humanos, esses vírus têm sido implicados em infecções do ouvido médio, em algumas pneumonias em pacientes imunocomprometidos, em miocardites, mas em animais infecções sistêmicas podem ser muito mais severas (ex. peritonite infecciosa felina).

Diferentemente dos rinovírus (Picornaviridae) que não são envelopados, os coronavírus são muito mais instáveis. A transmissão é por transferência da secreção nasal, tais como em aerossóis causados por espirros. Vírus que infectam células epiteliais do trato entérico causam diarréia. Isto pode ocorrer em neonatos humanos, mas é comum em muitos animais jovens onde a infecção pode ser fatal.

Epidemiologia
A maioria das pessoas tem anticorpos anti-coronavírus. Mas a reinfecção é comum, indicando que há muitos sorotipos do vírus circulando na população humana. E como ocorre na maioria das infecções respiratórias, resfriados causados por coronavírus são mais comuns no inverno por causa do contato próximo e humidade baixa. Os principais surtos ocorrem a cada poucos anos com um ciclo que depende do tipo de vírus envolvido.

Diagnóstico
A maioria das infecções pelo coronavírus não são diagnosticadas e a doença é auto-limitada (cura por si mesma). O diagnóstico pode ser feito usando imuno-eletro-microscopia e sorologia. Não há antivirais para infecções rotineiras por coronavírus, mas medicamentos sem prescrição para alíviar os sintomas são úteis.

 

VÍRUS DA HEPATITE MURINA E ESCLEROSE MÚLTIPLA

Um fato interessante é que uma linhagem neurotrópica do vírus da hepatite murina (um beta coronavírus) pode causar uma doença em roedores que se parece muito com a esclerose múltipla, levando à sugestão de seu envolvimento na doença humana; desmielinização, uma característica da esclerose múltipla em modelo-animal roedor, está ligada à proteína S e tem sido sugerido que a doença resulte de mimetismo molecular no qual uma resposta imune à proteína S leve a um ataque imune à mielina. Entretanto, embora o vírus possa ser detectado no cérebro de pacientes, o link para esclerose múltipla continua sem prova.

 

 Figura 3
Mapa de casos prováveis de SARS. 02 de junho de 2003

OMS

Figura 4
.Novos casos semanais de SARS
 ©
WHO/BBC

lung-x.jpg (41838 bytes) Figura 8.
Radiografia de tórax de paciente típico com síndrome respiratória aguda grave (SARS). a, dia 5 da sintomatologia; b, dia 10; c, dia 13; d, dia 15.

Li-Yang Hsu, Cheng-Chuan Lee, Justin A. Green, Brenda Ang, Nicholas I. Paton, Lawrence Lee, Jorge S. Villacian, Poh-Lian Lim, Arul Earnest, and Yee-Sin Leo - Tan Tock Seng Hospital, Tan Tock Seng, Singapore. Doenças Infecciosas e Emergentes

sars-lung.jpg (80471 bytes) Figura 9 Mudanças citoarquiteturais patológicas indicativas de dano alveolar difuso, além de uma célula gigante multinucleada com ausência de inclusões virais conspícuas.
CDC/Dr. Sherif Zaki

SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE (SARS)

No fim do ano 2002 uma nova síndrome foi observada no sudeste da China (Província de Guangdong). Foi denominada de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). Esta doença, que já foi relatada na Asia, América do Norte e Europa (figura 3), é caracterizada por uma febre de mais de 38 graus (100.4 em graus Fahrenheit) acompanhada de dor de cabeça, mal estar geral e dores. Os sintomas respiratórios são inicialmente e normalmente amenos, mas após alguns dias a uma semana o paciente pode desenvolver uma tosse não produtiva e a respiração difícil (dispnéia). O stress respiratório leva à morte em 3-30% dos casos. Testes laboratoriais mostram uma redução no número de linfócitos e um aumento da atividade da aminotransferase, o que indica dano hepático.

A epidemia inicial da SARS chegou a um pico em abril de 2003 e em junho começou a cair (figura 4). Nessa época houve cerca de 8.000 casos no mundo inteiro com 775 mortes. Além disso, houve uma perda econômica de bilhões de dólares.

Vírus de pacientes infectados foram crescidos em células Vero E6 de macacos em cultura de tecidos e identificados como um novo coronavírus (SARS-CoV). Ele tem um genoma de 29,727 bases e onze fases de leitura abertas. A organização do genoma é muito similar à de outros coronavírus (5’ replicase (rep), espícula (S), envelope (E), membrana (M), nucleocapsídio (N)-3 e pequenas regiões não traduzidas em ambos os terminais). O gene da replicase (RNA polimerase) ocupa dois terços da ponta 5’ do genoma e tem, assim como outros coronavírus, duas fases de leutura abertas sobrepostas. Ele também codifica para uma protease que é parte da poliproteína RNA polimerase. Há nove fases de leitura aberta possíveis que não são encontradas em outros coronavírus e podem codificar para proteínas que são típicas do vírus SARS. Usando testes com anticorpos, coronavírus-SARS têm sido associados com casos de SARS através do mundo.

Diagnóstico
O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos recomenda uma radiografia de tórax (figura 8), oximetria de pulso (um teste usado para medir a saturação de oxigênio do sangue), culturas de sangue, coloração do escarro pelo Gram e cultura, além de teste para outros patógenos respiratórios virais, notadamente influenza A e B e vírus respiratório sincicial. Um espécime para teste de Legionella e antígeno pneumocócico urinário poderia ser considerado. Pessoas com suspeita de SARS devem ser isoladas e submetidas a quarentena.

A infecção por SARS-CoV-1 mostra alterações indicativas de dano alveolar difuso, assim como uma célula gigante multinucleada sem inclusões virais conspícuas (figura 9).

Tratamento
Não há tratamento acordado contra a SARS além do gerenciamento dos sintomas. As drogas estão em desenvolvimento e são de particular interesse as que possam bloquear a função da protease, visto que isso é crucial para o vírus. Não há vacina aprovada contra o vírus SARS, embora algumas tenham sido desenvolvidas. Existem programas de vacinação veterinária com sucesso modesto contra vários coronavírus de importância econômica.

 

 

SÍNDROME RESPIRATÓRIA DO ORIENTE MÉDIO

Em 2012 uma doença causada por um Coronavírus novo apareceu no Oriente Médio, mais precisamente na Arábia Saudita. Inicialmente, todos os pacientes moravam ou teriam visitado o Oriente Médio, embora alguns tenham subsequentemente viajado para a Europa onde apareceram casos na França, no Reino Unido e na Alemanha. Após a infecção inicial, o vírus se espalha para contatos próximos indicando uma transmissão humano a humano. Os pacientes desenvolveram pneumonia e às vezes insuficiência renal com taxa de fatalidade de até 50%, embora esta alta fatalidade possa refletir a falha no diagnóstico de casos menos virulentos.  O vírus foi inicialmente chamado de Novo Corona Vírus (nCoV) e depois chamado de “Coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio” (em inglês (MERS-CoV) e é distindo do Coronavírus SARS. Ele pode ser tratado com interferon α2b e ribavirina.

Mais uma vez a origem deste novo coronavírus é morcegos, especificamente o morcêgo pipistrelle (morcêgo anão), sendo o hospedeiro intermediário os camelos dromedários. Aparentemente, por análise filogenética, o vírus entrou na população humana em torno do ano 2011

 

 

A DOENÇA DO CORONAVÍRUS 2019 (COVID-19)

Em 31 de Dezembro de 2019, houve um caso de pneumonia de etiologia desconhecida admitida em hospital de Wuhan, China. Foi rapidamente estabelecido que não era nem SARS nem MERS e nem outro patógeno respiratório; outros casos se sucederam. Eles tinham as características de uma infecção por coronavírus e rapidamente foi demonstrado serem resultantes de um coronavírus até então desconhecido, e que foi inicialmente chamado de 2019-nCoV, mas agora foi renomeado para SARS-Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), pois ele também provoca uma síndrome respiratória aguda grave.

Em 11 de Janeiro havia 41 casos desta doença em Wuhan; a maioria era benigna, mas sete delas foram infecções sérias e naquela época havia uma morte. A doença se espalhou via transmissão humano para humano, foi altamente infecciosa e logo foi encontrada fora de Wuhan, nas vizinhanças da Província de Hubei e depois em outros lugares da China. O primeiro caso fora da China foi na Tailândia e a paciente (uma mulher de 61 anos) tinha vindo de Wuhan. Após severas restrições de movimento em Wuhan e nas vizinhanças da Província de Hubei, o govêrno Chinês conseguiu controlar a epidemia, mas a COVID-19 se espalhou pelo mondo inteiro. Ao final da primeira onda de infecções pelo SARS CoV-2 (Abril de 2020), a China relatou 81.865 casos, 3.335 mortes e 77.370 pacientes recuperados. De um modo geral a taxa de fatalidade de caso em Wuhan foi de 0.9-2.1%.

Ao final da segunda semana de Abril de 2020, houve 1.5 milhões de casos de COVID-19 no mundo inteiro com  91.000 mortes e 342.000 pessoas recuperadas.

Sintomas da COVID-19

Dois a quatorze dias após a exposição, de acordo com o CDC, os sintomas iniciais são:

  •  Febre
  • Tosse
  •  Falta de ar (dispnéia)
  • Fadiga
  • Dor muscular e no corpo
  • Dor de cabeça
  • Congestão
  • Náusea
  • Vômitos
  • Diarréia
  • Muitas vezes perda do olfato e paladar

Subsequentemente, sintomas mais severos podem aparecer, incluindo:

  • Respiração problemática
  • Dor persistente ou pressão no peito
  • Confusão ou incapacidade de despertar
  • Lábios ou face azulados

Em algumas crianças há sintomas semelhantes à Síndrome de Kawasaki.

Síndrome de Kawasaki

Entretanto, muitas pessoas infectadas não apresentam sintomas ou apresentam sintomas amenos, como tosse e febre.

Mortalidade

SARS e MERS têm um alto índice de mortalidade com aproximadamente 10% de pacientes de SARS e aproximadamente 37% de pacientes de MERS que sucumbem à doença. COVID-19 aparenta ter uma taxa de mortalidade muito mais baixa de cerca de 2%, embora esta aumenta com a idade do paciente e a presença de complicações subjacentes.  

Idade                 Taxa de Mortalidade (%)

·          80+                         14

·         70-79                        8

·         60-69                      3.6

·         50-59                      1.3

·         40-40                      0.4

·         30-39                      0.2

·         20-29                      0.2

·         10-19                      0.2
     

Homens têm uma taxa de fatalidade maior do que mulheres

Mulheres                1.7

Homens                  2.8

Certas comorbidades aumentam muito a taxa de morte, incluindo doença cardíaca, diabetes, hipertensão e doença respiratória crônica.

Transmissibilidade
Como em março de 2020, a transmissibilidade (fator de reprodução R0) do SARS-CoV-2 aparentou ser em torno de 2 a 3. Isso significa que cada pessoa infectada espalhou o vírus para uma média de 2 a 3 outras pessoas.

 

 

 

  Figura 10
Estrutura do coronavírus structure.
Adaptado de Lai e Homes. In Fields' Virology. Lippencott

 

Figura 11
Morfologia ultraestrutural de um coronavírus visto por microscopia eletrônica. As espículas (proteína S) dão a aparência de uma coroa, daí o nome. As proteínas E e M estão também localizadas na superfície externa do vírus.
CDC
 

Figura 12
Genoma do SARS-CoV-2 mostrando a ordem dos genes e as proteínas por eles codificadas.

 

 

 Figura 13 RNAs mensageiros dos coronavírus. É formado um conjunto localizado de RNAs com uma extremidade 3’ em comum. O RNAm da polimerase (pol) tem o mesmo comprimento do RNA genômico. Os restantes são truncados na extremidade 5’, embora todos tenham uma sequência líder comum.

ESTRUTURA DO CORONAVÍRUS

Os coronavírus são vírus de fita simples com sentido positivo. Diferentemente do usual para vírus de RNA, eles são muito grandes, com um genoma de cerca de 30kb. Este tamanho tão longo traz consequências na sua taxa de mutação, o que será discutido abaixo. O fato de estes vírus serem de sentido positivo, significa que seu genoma éstá no mesmo sentido do RNAm e o RNA genômico poder ser usado como um RNAm assim que a célula for infectada. Partículas virais em maturação brotam através das membranas intracelulares e ganham um envelope lipídico (ou seja, coronavírus são vírus envelopados). Isso traz consequências para o controle da infecção, visto que eles são provavelmente de menor estabilidade do que os vírus não envelopados e serem mais sensíveis a detergentes e solventes orgânicos. A estrutura de um coronavírus é mostrada na figura 10 e a morfologia externa na figura 11. 

Genoma do vírus [MH1] da COVID-19

O vírus SARS-CoV-2 tem um genoma de 29.829 bases e é como um RNAm típico (figura 12). Ele tem uma cauda 3’ poli A e é capeado no terminal 5’. Este último consiste em um nucleotídeo de guanina ligado ao RNAm via uma ligação trifosfato não usual de 5’ para 5’. Esta guanosina é metilada na posição 7 por uma metiltransferase codificada pelo vírus. Além disso, a extremidade 5’ é metilada nos grupos hidroxílicos 2’ dos dois primeiros resíduos de ribose. Este cap proporciona resistência a degradação por exonucleases 5’ na célula.

Cerca de dois terços do genoma, começando pelo terminal 5’, codifica para a proteína não-estrutural (NSP) 1ab. Esta região é também conhecida como o gene da replicase, embora outras proteínas além da replicase (RNA polymerase) sejam codificadas neste gene. Proteínas não estruturais são proteínas codificadas pelo vírus que não são parte da partícula viral madura, mas são usadas na replicação e maturação do vírus. As sequências codificadoras para as proteinas 1a e 1b não estão na mesma fase de leitura, mas o ribossomo realiza um pulo de fase a -1 ao final do gene da proteína 1a de forma que é produzida uma longa poliproteína. Esta é então clivada por uma protease codificada pelo vírus para fazer as proteínas 1a e 1b. As proteínas 1a e 1b são por si sós poliproteínas e são clivadas pela atividade proteásica de 16 proteínas menores não estruturais codificadas pelo vírus. Proteínas não estruturais são necessárias antes das proteínas estruturais, visto que elas estão envolvidas na síntese do RNA viral e proteínas, e assim precisam ser produzidas logo após a infecção da célula. Isso é feito pela tradução do RNA de fita positiva que entra, que tem todas as características de um RNAm celular.

Os genes para as proteínas estruturais estão localizados no terço 3’ do genoma. Estes são transcritos a um conjunto de fitas de RNA negativas complementares, que são moldes (templates) para a transcrição de um conjunto localizado de RNAm sub-genômicos a partir dos quais  as proteínas estruturais são traduzidas  (figura 13). 

No SARS CoV-1 e -2 e MERS CoV, há quatro fases de leitura abertas nesta região 3’ que codificam para:

·        A proteína da espícula (S) pela qual o vírus se encaixa no receptor da célula hospedeira

·        A proteína de membrana (M)

·        A proteína do envelope (E)

·        A proteína do nucleocapsídeo (N)

Além disso, há uma quantidade de fases de leitura abertas menores que codificam para proteínas que podem ser estruturais ou podem assumir alguma função acessória.
 

Proteínas do Coronavírus

As proteínas não estruturais NSP 1 – NSP16

A função de algumas dessas proteínas é desconhecida, mas algumas estão envolvidas no controle do metabolismo do ácido nuclêico das células infectadas. Na maioria dos casos isso é inferido a partir de pesquisas sobre outros coronavírus, tais como os estreitamente relacionados SARS CoV-1 e MERS CoV, não sendo, portanto, resultado de investigações sobre o SARS-CoV-2.

NSP1 – Redução da síntese de proteínas da célula hospedeira

A NSP1 desliga a tradução a proteínas pela célula hospedeira muito eficientemente ao ligar-se às sub-unidades 40S dos ribossomos. O complexo formado pela NSP1 e a subunidade ribossomal também age como uma enzima que inibe a tradução de proteínas pela célula hospedeira por meio de uma clivagem endonucleolítica próximo à 5'UTR (região não traduzida) do RNAm hospedeiro, levando à degradação do RNAm da célula hospedeira. Isso suscita a pergunta de que por que os RNAm virais não são clivados de maneira similar, visto que, para todos os efeitos eles são como os RNAm celulares? Acontece que NSP1 se liga a uma estrutura em grampo no 5'UTR do RNA do SARS CoV-1 e esta interação estabiliza o RNAm que carrega o grampo específico e aumenta a tradução de proteínas virais.

NSP2 – Uma proteína de função desconhecida

A NSP2 expressada em células usando a transdução retroviral foi especificamente recrutada para replicações virais complexas. Ela não é requisitada para replicação viral em células em cultura, embora a deleção das sequências codificadoras de NSP2 atenuem o crescimento viral e a síntese de RNA. Fora isso, a função da NSP2 não é conhecida.

NSP3 – Uma proteína multifuncional que contém uma protease

Esta é a maior proteína codificada pelo genoma do coronavírus, com um tamanho de cerca de 200 kD. É um componente essencial do complexo replicação/transcrição do vírus e atravessa a membrana do retículo endoplasmático. E como se espera de uma proteína tão grande, ela tem vários domínios com diferentes funções:

Um domínio tipo ubiquitina 1 (Ubl1). Liga-se ao RNA fita simples e interage com a proteína (N) do nucleocapsídio. É essencial para a replicação viral a qual cessa quando o domínio UbL1 é parcialmente deletado.

Um domínio rico em ácido glutâmico (também chamado de “região hipervariável”)

Um domínio tipo protease (papaína) (protease 1 (PLpro). Este libera NSP1, NSP2 e NSP3 da região N-terminal das poliproteínas 1a e 1ab.

Um macrodomínio ou domínio X. Este não é necessário para a replicação do RNA, mas pode estar envolvido na neutralização da resposta imune inata do hospedeiro.

Outro domínio tipo ubiquitina 2 (Ubl2). A função desta não é conhecida.

Outro domínio tipo protease (papaina) (protease 2 (PL2pro)).

NSP3 ectodomínio (3Ecto, “domínio zinc-finger”). Este é o único domínio localizado no lado luminal do retículo endoplasmático em SARS-CoV-1 NSP3. Acredita-se que ele liga íons metálicos e contém um oligosacarídeo ligado a asparagina.

Domínio Y1, a função deste não é conhecida.

Domínio CoV-Y, que também tem função não conhecida. Os domínios Y1 e CoV-Y estão no lado citosólico do retículo endoplasmático.

Há dois domínios transmembrana em NSP3 que aparentam cruzar a membrana do retículo endoplasmático duas vezes. Estes, mais o domínio 3Ecto são importantes para o domínio protease PL2pro clivar o sítio entre NSP3 e NSP4 no SARS-CoV-1. O domínio transmembrana pode aproximar PL2pro do sítio de clivagem entre as proteínas associadas a membrana NSP3 e NSP4.

NSP3 junto com NSP4 e NSP6 são necessárias para a formação das vesículas de dupla membrana que são características das células infectadas por coronavírus.

 NSP4 – Reorganização de membranas celulares

NSP4 é uma glicoproteína que atravessa a membrana do retículo endoplasmático quatro vezes com três regiões de alça. Alças 1 e 3 são expostas ao lúmen do retículo endoplasmático, enquanto a alça 2 e os terminais N e C são citosólicos. Há dois sítios de glicosilação ligados a asparagina na alça 1.

Como será descrito abaixo, muitos vírus de RNA de fita positiva, incluindo coronavírus, modificam as membranas citoplasmáticas da célula hospedeira que são sítios de síntese de RNA viral e da formação de complexos de replicação viral. Coronavírus induzem vesículas de dupla membrana e quando células infectadas são analisadas por miscroscopia eletrônica, mutantes NSP4 têm morfologia aberrante nas suas vesículas de dupla membrana quando comparados com células infectadas com o vírus tipo selvagem. Portanto, NSP4 pode ter um papel de organização das membranas das vesículas, o que é importante em uma síntese de RNA e replicação viral, embora seus papéis nesses processos não estejam claro. Um sítio de glicosilação no lado luminal parece ser importante na síntese de RNA.

NSP5 - Uma protease

NSP5 (3CLpro, Mpro) é uma protease que cliva outras proteínas NSP em sítios de clivagem 11 e é essencial para a replicação do vírus. A protease NSP5 é também uma antagonista de interferon que  inibe a produção de interferon-beta induzida pelo vírus Sendai em células infectadas pelo direcionamento ao mirar uma proteína chamada modulador essencial (NEMO) NF-κB.

NSP6 – Reorganização das membranas celulares

NSP6 está também envolvida na formação da dupla membrana no interior da célula infectada. Ela induz vesículas perinucleares localizadas ao redor do centro de organização dos microtúbulos. As membranas duplas são formadas como parte da autofagia, uma resposta celular à escassez nutricional que gera autofagossomos para transportar proteínas velhas e organelas para os lisossomos para degradação. Além de ser um processo celular normal em condições de escassez nutricional, a autofagia pode ser ativada pela infecção viral como parte de um mecanismo de defesa inata; entretanto, este mecanismo anti-viral é sequestrado por alguns vírus de RNA de fita positiva quando os autofagossomos são usados para facilitar a montagem de proteínas replicases.  NSP6 gera autofagossomos do RE, mas limita o diâmetro do autofagossomo e a expansão, o que inibe a capacidade do autofagossomo de transportar componentes virais aos lisossomos para degradação.

NSP7 e NSP8 – Uma primase

NSP7, NSP8, NSP9 e NSP10 são constituintes do complexo de replicação do RNA dos coronavírus.

Coronavírus codificam para duas atividades de RNA polimerase RNA-dependentes. Uma é dependente de primer e está associada com NSP12 (ver abaixo). A outra está associada com NSP8, uma proteína de 22kD que é própria do coronavírus e é capaz de promover a iniciação de novo da síntese de RNA com baixa fidelidade a partir de moldes de fita simples de RNA. Por esta razão tem sido proposto que a NSP8 opere como uma primase, ou seja, ela faz primers de oligonucleotídios que podem ser usados pela NSP12, que é a principal RNA polimerase RNA-dependente. NSP7 e NSP8 formam um supercomplexo, uma estrutura cilíndrica construída com oito cópias de NSP8 fortemente seguradas juntas por oito cópias de NSP7.

NSP9 – Uma proteína de função desconhecida

NSP9 é uma proteína dimérica que se liga a RNA de fita simples.

NSP10 – Uma proteína do citoesqueleto

NSP10 é uma proteína do citoesqueleto com dois zinc-fingers. Ela interage com NSP14 e NSP16 estimulando suas atividades exoribonucleases 3'-5' (NSP14) e O-metiltransferase 2' (NSP16). NSP10 é requerida pela NSP16 como um fator estimulatório para executar as últimas atividades de metiltransferase e pode estabilizar o bolso S-adenosyl methionine-binding e extender o substrato ranhura de ligação ao RNA da NSP16.

NSP11 – Uma proteína de função desconhecida

A função desta proteína é desconhecida, visto que uma deleção no sítio NSP10-NSP11/12 aboliu o processamento mediado pela protease NSP5, mas permitiu a produção de partículas virais infecciosas, sugerindo que a clivagem no sítio NSP10-NSP11/12 não é necessária para a replicação viral em células cultivadas.

NSP12 – Uma RNA polimerase

Esta proteína - a principal RNA polimerase - é montada junto com NSP7 e NSP8 em um complexo de síntese de RNA multi-subunidade que promove a replicação e transcrição do genoma viral.NSP12 tem uma extensão N-terminal típica que tem sido proposta como contendo uma atividade nucleotidiltransferase, enquanto que a replicação do genoma de RNA viral é catalizado por um domínio polimerase na região C-terminal.

NSP13 – Uma helicase

NSP13 é uma helicase de RNA e a 5 trifosfatase que interage com a RNA polimerase NSP12. Uma helicase é uma enzima que cataliza o desenrolamento de uma duplex de oligonucleotídios a fitas simples de maneira trifosfato-dependente.  NSP12 aumenta a atividade helicásica da NSP13, mas como a NSP12 aumenta a atividade helicásica é desconhecido.

NSP14 – Uma exonuclease e metiltransferase

A maioria das RNA polimerases não possuem uma atividade de “revisão de leitura” e como resultado o tamanho do RNA de vírus é normalmente limitado a cerca de 10kb (ver abaixo). Entretanto, genomas de coronavírus são os maiores entre os vírus de RNA com um tamanho de cerca de 30kb. Devido à taxa de erro das RNA polimerases devidos à tautomerização de bases, coronavírus aparentemente teria algum tipo de revisão de leitura.  

NSP14, que forma um complexo com NSP10, é uma exoribonuclease e sua inativação leva ao decréscimo de fidelidade de replicação de 15 vezes. Ela hidrolisa o RNA de fita dupla na direção 3' a 5' e também um nucleotídio mal pareado no terminal 3' mimetizando um produto de replicação errôneo. A atividade exonucleásica está também envolvida na síntese do conjunto de RNAs genômicos que codificam para proteínas estruturais. Além dessa atividade nucleásica, a NSP14 também tem uma atividade metiltransferásica (guanina-N7) envolvida no capeamento 5’ dos RNAm e do RNA genômico.

NSP15 – Uma endonuclease

NSP15 é uma endonuclease hexamérica que cliva prefencialmente em uridinas. Ela se associa com a primase (NSP9) e a RNA polimerase (NSP12). Mutações no sítio catalítico reduz o acúmulo sub-genômico de RNA e atenuaram profundamente a proliferação viral. Coronavírus são capazes de evitar a detecção por sensores imunes inatos do hospedeiro que reconhecem RNAs de fita dupla. NSP15 é requerido para a evasão desses sensores dsRNA.

NSP16 - A methyl transferase

NSP16 em complexo com NSP10 tem uma atividade RNA ribose 2’-O-metilação. Para mimetizar a estrutura do RNAm celular, muitos vírus modificam o terminal 5' de seus RNAs. O 5’ cap é importante para a estabilidade do RNA, para a tradução a proteínas e também para o escape imune do vírus. Em adição à metiltransferase NSP14 S-adenosyl-L-methionine-dependent (guanine-N7) metiltransferase, coronavírus têm outra, a NSP16 que é uma metiltransferase S-adenosyl-L-methionine (SAM)-dependente ribose 2’O-metiltransferase.

 

 

 

 

Figura 14
Os domínios da proteína (S) da espícula
 

 

Figura 15
A associação das proteínas S, M e E com a membrana viral.
 

 

As Proteínas Estruturais

Estas são as proteínas que compõem a partícula viral madura:

Proteína da Espícula (S)
A proteína da espícula (S) se projeta da membrana lipídica viral e é um homotrímero de proteínas S responsáveis pelo acoplamento dos receptores do hospedeiro e para a fusão do envelope viral com a membrana da célula hospedeira. Cada monômero tem uma massa molecular de 175kD e é glicosilada no terminal N. No SARS-CoV-1 e -2, o trímero se liga ao receptor de angiotensina humana 2 (hACE2) na superfície da célula após o que o vírus entra na célula por endocitose.

Cada monômero da proteína da espícula (S) consiste em duas subunidades (figura 14) formadas pela clivagem proteolítica usando uma enzima do complexo de Golgi chamada furina. Estas são as subunidades S1(subunidade de ligação/acoplamento) e a subunidade S2 (subnidade fusogênica). S1 se liga primeiro aos receptores de membrana plasmática da célula e depois se dissocia deles.

A proteína S atravessa a membrana viral uma vez com o terminal N glicosilado no exterior do vírus (figura 15).

Proteína de Membrana (M)
A proteína M tem três domínios transmembrana (figura 15). Ela promove a curvatura da membrana e forma uma ligação entre as estruturas internas do envelope e o nucleocapsídio. Ela tem um domínio N-terminal pequeno localizado fora da partícula viral (que equivale ao lado luminal das vesículas de membrana intracelulares) e um grande domínio C-terminal, compreendendo metade da proteína no interior da partícula viral (esta é equivalente ao lado citoplasmático da vesícula). Proteínas M de alguns alfacoronavírus contém um segmento adicional hidrofóbico que funciona como um peptídeo sinal. A proteína M é glicosilada no seu domínio N-terminal extracelular. Ela aparenta ser a catalizadora da montagem do vírus, visto que ela pode interagir com todas as proteínas estruturais, inclusive com ela própria. Em alguns coronavírus proteínas M e E podem formar estruturas do tipo vírus, mas no SARS-CoV-1 a proteína N é necessária também para formar essas estruturas.

Proteína do Envelope (E)
A proteína E (figura 15) tem um papel na montagem do vírus e na liberação, e está envolvida na patogênese viral visto que o vírus é atenuado in vitro e in vivo quando o gene E é deletado. A proteína E é uma pequena proteína de membrana multifuncional integral que forma um canal iônico que é importante nas interações vírus-hospedeiro. Uma vez que a proteína E é pequena, a oligomerização é necessária para formar o canal. Não se sabe por que os coronavírus precisam de um canal iônico, mas vários outros vírus tem proteína similar. No caso do vírus influenza que também entra na célula por endocitose, aparentemente na acidificação do endossomo a proteína do influenza M2 permite a transferência de íons hidrogênio para a partícula viral para auxiliar no desnudamento do genoma.

A proteína E tem um domínio atravessador de membrana no terminal N na superfície externa da partícula viral e uma âncora de ácido palmítico no lado interior ligado a um resíduo de cisteína (figura 15). Ratos infectados com coronavírus que possuem atividade de canal iônico rapidamente perderam peso e morreram, enquanto os infectados com mutantes da proteína E que não tinham atividade de canal iônico recuperaram da doença e a maioria sobreviveu. A proteína E está envolvida em vários aspectos do ciclo de vida do vírus, tais como a montagem, o brotamento, a formação do envelope e a patogênese.
 
 

Proteína (N) do Nucleocapsídio
Esta proteína interna tem dois domínios, cada um pode se ligar ao RNA do vírus por mecanismos diferentes. Ela se liga à NSP3 para acoplar o RNA genômico ao complexo de replicação-transcrição, e pacotes dos genomas encapsidiados às partículas virais. A proteína N se liga ao genoma viral para formar o core de ribonucleoproteína do vírus e interage com o domínio carbosi-terminal da proteína M.

Hemaglutinina-esterase (HE)
Um gene do lado 5’ da proteína S codifica para a quinta proteína estrutural, a hemaglutinina esterase. Ela está presente em alguns beta-coronavírus incluindo o vírus da hepatite murina, mas não no SARS-Cov-1 ou -2. HE se liga a ácidos siálicos nas glicoproteínas de superfície e age como uma hemaglutinina. Ela contém atividade acetil-transferásica que pode aumentar a entrada na célula mediada pela proteína S e o vírus se espalha através da mucosa. Ela aumenta a neurovirulência do vírus da hepatite murina, mas o gene da HE é perdido em cultura de tecidos por razões não conhecidas.


HE forma espículas (menores do que as espículas S) na superfície do vírus. É um dímero e não aparenta ser essencial para a replicação nos tipos que a possuem. A atividade esterásica da proteína HE pode clivar o ácido siálico de uma cadeia de carboidrato, o que pode auxiliar o vírus a escapar da célula na qual ele se replicou. Anticorpos contra a proteína HE podem também neutralizar o vírus.
 
 

Outras fases abertas de leitura (ORFs)

A inspeção dos genomas do SARS-CoV-1 e -2 mostra uma variedade de fases abertas de leitura (ORFs) adicionais. Uma ORF é uma região do genoma que tem a capacidade de ser traduzida a proteína. Para ser traduzida ela precisa de um códon de iniciação (normalmente AUG) e de um códon de parada (normalmente UAA, UAG ou UGA). Há alguma informação sobre as funções das proteínas codificadas nessas ORFs, mas o papel de outras é até o presente desconhecido.

ORF3a e 3b
As proteínas 3a e 3b são codificadas por ORF3a e ORF3b e fazem o segundo maior RNA codificado no genoma do SARS-CoV. A proteína 3a tem-se mostrado presente na membrana plasmática em um padrão pontilhado, e também intracelularmente. A região N-terminal da proteína 3a consiste em três domínios transmembrana. A proteína forma um homotetrâmero e como todas as proteínas de canal de íon formam homo- ou hetero-polímeros e associam com a membrana, tem sido proposto que a proteína 3a possa formar um canal de íon.

A proteína 3b pode ter um papel na imunomodulação. Além disso, ela pode agir como um antagonista de interferon.

ORF6

A proteína ORF6 é encontrada associada com as membranas do retículo endoplasmático e complexo de Golgi em células infectadas por SARS-CoV-1. Esta proteína é indispensável em replicação viral in vitro, mas funciona na escapada viral do sistema imune inato, particularmente na inibição da produção e sinalização do interferon tipo I.

ORF7a
Esta é a menor proteína estrutural que não é essencial para a replicação do vírus. Ela pode estar envolvida na montagem viral e no desacoplamento/escapamento de partículas virais da superfície da célula. Ela deve fazer isso pela inibição da glicosilação do antígeno estrômico 2 (BST2, também conhecido como teterina, do inglês ‘tethering’=prender) da medula óssea que acredita-se restrinja a liberação do vírus da superfície da célula infectada ao prender a partícula viral envelopada em brotamento na membrana plasmática.

ORF7b
Esta é outra proteína estrutural pequena encontrada no complexo de Golgi. Não é essencial para a replicação viral in vitro ou in vivo.

Orf9b
Esta proteína interfere com as ubiquinização de proteínas celulares e, como ocorre com a ORF6, altera a imunidade inata hospedeira.

 

 

 

corona-er.jpg (101548 bytes) 

  Figura 17
Coronavírus dentro de vacúolos ligados à membrana e cisternas do retículo endoplasmático rugoso. Eletromicrografia de camada fina de células infectadas.

 
CDC/C.S. Goldsmith/T.G. Ksiazek/ S.R. Zaki


 

 

Ciclo de Vida

O ciclo de vida de um Coronavírus é visto na Figura 16.

                 

Figura 16. Ciclo de Vida do Coronavírus

Fita de RNA (sentido) positivo) está em prêto

Fita de RNA (anti-sentido) negative está em verde

As proteínas são mostradas em azul e laranja (exceto na última imagem onde S está em vermelho, E está em púrpura e M está em marrom).

1. A proteína (da espícula) S do vírus se liga ao receptor (enzima conversora de angiotensina 2) na superfície de uma célula epitelial.

2. A membrana plasmática invagina e o vírus entra no endossomo.

3. Íons hidrogênio são bombeados para os endossomos iniciais para formar um endossomo tardio.

4. A diminuição do pH no endossomo muda a conformação da proteína S de forma que a subunidade S2 (fusógeno) permite que a membrana viral se fusione com a membrana endossômica. O nucleocapsídio entra no citoplasma e é desnudado.

5. O genoma viral é de sentido positivo (mesmo sentido de um RNAm) e tem as características de um RNAm (Ele é capeado pela 5’ metil guanosina e tem uma cauda 3’ poli-A). Ribossomos se ligam ao RNA genômico e traduz os dois terços do genoma da ponta 5’ à poliproteína p1ab.

6. A poliproteína p1ab tem uma atividade endoproteásica que corta o protudo primário de tradução em p1a e p1b.

7. p1a e p1b são cortadas pela mesma atividade proteásica a 15 ou 16 proteínas não-estruturais (NSPs).

8. NSPs 7, 8 e 12 se associam para formar a RNA polimerase viral (replicase).

9. A polimerase se liga a um sítio de iniciação no terminal 3’ do RNA genômico.

10. O RNA genômico de sentido positivo é copiado (3’ a 5’) a um RNA genômico de sentido negativo de comprimento inteiro. Este não é capeado ou poliadenilado, pois o RNA de sentido negativo não tem capeamento ou sinal de adenilação.

11. O RNA de sentido negativo é copiado de 3’a 5’ a RNA genômico de sentido positivo que é capeado em 5’ e poliadenilado em 3’.

12. O RNA genômico é copiado pela RNA polimerase a um conjunto localizado de RNAs sub-genômicos de sentido negativo (sgRNAs).

13. Os sgRNAs de sentido negativo são copiados a sgRNAs de sentido positivo que são capeados em 5’ e poliadenilados em 3’ e agem como RNAm.

14. Os sgRNAs de sentido positivo são traduzidos a proteínas que são na maioria proteínas estruturais do vírus.

15. A proteina N se liga ao RNA genômico viral de sentido positivo para formar o nucleocapsídio e à proteína M que é incorporada nas membranas intracelulares.

16. O nucleocapsídio brota através das membranas do retículo endoplasmático/complexo de Golgi para o espaço luminal.

17. O vírus deixa a célula junto com a via secretória.

 

Receptores de SARS-CoV-1, SARS-CoV-2 e outros Coronavírus
As proteínas S e HE se ligam ao ácido siálico que é encontrado nas superfícies de todas as células; entretanto, todos os coronavírus têm um tropismo tissular restrito e assim a ligação é provavelmente mais complicada. Além disso, alguns coronavírus não se ligam a ácido siálico e alguns, incluindo o SARS CoV-1 e -2, não tem um gene HE.

Ambos SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2 usam o mesmo receptor celular, embora haja alguma sugestão de que eles se ligam a uma região discretamente diferente do receptor. A proteína trimérica da espícula se liga à enzima conversora de angiotensina 2 (hACE2) após o que o vírus entra na célula por endocitose. Tem sido encontrado que transformando células Hela para que elas expressem hACE2 as tornam susceptíveis a infecções pelo SARS-CoV-2.

MERS-CoV usa um receptor diferente, ligando ao antígeno de superfície celular CD26 (dipeptidil peptidase 4).
No caso do vírus da hepatite murina, o receptor é um membro da superfamília de imunoglobulinas, molécula de adesão relacionada a antígeno carcinoembriônico (CEACAM), and anticorpos contra esta kproteína bloqueia o acoplamento do vírus.

Muitos coronavírus alfa utilizam a aminopeptidase N (APN) como receptor.


Entrada na célula
Alguns coronavírus, tais como o MHV, podem fusionar com a membrana plasmática e não requerem endocitose, mas agentes lisossomotrópicos mostram que a entrada do nucleocapsídeo do SARS-CoV-1 e SARS CoV-2 no citoplasma é via endocitose. Uma vez estando no endossomo ácido, a proteína S é clivada por uma protease catepsina ácido-dependente ou outra protease. Isso altera a conformação da proteína da espícula de forma que o fusógeno (S2) pode promover a fusão das membranas virais e celulares.

Estudos usando cryo-EM da espícula do SARS-CoV-1 e sua interação com a  hACE2 mostrou que no endossomo tardio há a dissociação de S1 de hACE2 seguido por uma mudança na conformação de S2 que é necessária para a fusão da membrana ejetando assim o nucleocapsídio para o citoplasma.

Fosfoinositídeos estão também envolvidos na endocitose. Fosfatidilinositol-3,5-bifosfato (PI(3,5)P2) é sintetizado pela fosfatidilinositol-3-fosfato-5-cinase nos endossomos iniciais e controla a transição do endossomo inicial para endossomos tardios.  Quando as células que expressam o receptor ACE2 foram tratadas com um inibidor desta enzima (apilimod), houve uma redução significante da entrada do vírus, enquanto não houve efeito na entrada do pseudovírus VSV-G, que ocorre nos endossomos iniciais.


Dentro da célula
Coronavírus, como muitos outros vírus de RNA de fita positiva, rearranjam membranas celulares que são então usadas na replicação e transcrição de genomas virais (figura 17). Especificamente, NSPs de coronavírus induzem a formação de vesículas de dupla membrana nas células infectadas.

Em virtude de ser o vírus de fita positiva, isto é, do mesmo sentido que o RNAm, os genes do lado 5’ do RNA viral são traduzidos imediatamente a uma grande poliproteína p1ab que é então clivada por uma atividade proteásica codificada pelo vírus presente na poliproteína a p1a e p1b. Estas duas poliproteínas são processadas a 15 ou 16 (dependendo do tipo de vírus) NSPs por atividades proeásicas virais múltiplas também presentes nas poliproteínas. Algumas destas NSPs formam o complexo de replicação-transcrição (RTCs) que sintetiza o RNA viral.

As proteínas RTC são encontradas em associação com membranas convolutas e vesículas de dupla membranas que, juntamente com fatores hospedeiros, copia o genoma a um template de fita negativa do tamanho completo do genoma do qual novos genomas de fita positiva serão transcritos. Isto é replicação do genoma. Alternativamente, o genoma é transcrito a RNAs subgenômicos menores que são então copiados a RNAs sub-genômicos que codificam para proteínas estruturais (S, N, E etc.) e outras proteínas acessórias. Os RNAs sub-genômicos codificam proteínas estruturais do CoV e proteínas acessórias de função desconhecida.

As proteínas da espícula (S), da membrana (M), do envelope (E) e do nucleocapsídio (N) são as proteínas principais dos vírus novos. A proteína N se liga a RNA genômico e permite sua encapsulação em nucleocapsídios. As proteínas S, M e E são proteínas da membrana integral que são feitas em associação com os ribossomos associados ao retículo endoplasmático rugoso. A proteína S, pelo menos, é clivada por protease de sinal da célula hospedeira. O domínio C-terminal da proteína M do coronavírus MERS contém uma rede de sinal de localização trans-Golgi e a proteína 7b tem um sinal de retenção Golgi. As proteínas incorporadas na membrana migram através do retículo endoplasmático para o complexo de Golgi onde o vírus é montado na superfície citoplasmática. A proteína M organiza os componentes da membrana viral e interage com a proteína do nucleocapsídio (N) para dirigir a montagem do vírus e o brotamento.

Os nucleocapsídios brotam intracelularmente para o compartimento intermediário do complexo RE-Golgi e viaja para o exterior da célula pela via secretória. Isto está em contraste com a maioria dos outros vírus que se ligam à membrana que brotam através da membrana plasmática.

Revisão de Leitura

A maioria dos vírus de RNA são pequenos com um tamanho de genoma de 0kb ou menos. Como visto em outra parte deste livro, sua RNA polimerase não tem um mecanismo que reconhece e corrije êrros (mutações) que surgem durante a replicação do genoma. Como resultado, são formadas quasispécies, que levam ao aparecimento de adaptação e patogênese. Tais mutações são inevitáveis porque as formas tautoméricas das bases dos nucleotídeos levarão a uma baixa taxa de êrros de incorporação pela polimerase, por mais correta que ela seja. Há claramente uma necessidade de um genoma de tamanho completo que funcione perfeitamente, mas em um genoma de vírus pequeno (<10kb), a instabilidade genômica (carga mutagênica) levando a partículas virais não viáveis não é um grande problema. Entretanto, quanto maior for o genoma, maior a probabilidade de surgirem mutações deletérias.

Não se sabe como vírus com grande genoma de RNA como os coronavírus (mais de 32 kb) lidam com a potencial instabilidade genômica, mas algum tipo de revisão de leitura como as que existem nas DNA polimerases, é decerto necessária. Coronavírus têm várias NSPs que estão envolvidas na síntese de RNA e na formação de RTCs que são típicas deste vírus. Essas enzimas incluem uma 3′-5′ exoribonuclease, NSP14. A inativação da exoribonuclease do coronavírus resulta em uma diminuição da fidelidade genômica. Dessa forma NSP14 pode aumentar a acurácia na síntese de RNA pela correção de erros de incorporação de nucleotídeos feitos pela RNA polimerase RNA-dependente do vírus.

 

Drogas do Coronavírus

 

 
  Figura 18
Um gráfico de contagens cumulativas de sequências D614 e G614 por dia no distrito de Snohomish. Cor laranja representa a forma original, azul a forma com a mutação G614. 2020. Distrito de King, Estado de Washington, EUA
Rastreando mutações da espícula do SARS-CoV-2 (lanl.gov)

Figura 19
Mapas mostrando a frequência relativa de amostragem de D614 e G614 em diferentes janelas de tempo. O tamanho dos círculos indica a amostragem relativa em um dado país dentro de cada um dos quatro mapas. A proporção do D614 do vírus original de Wuhan é mostrada em laranja e a proporção do D614 mutante é mostrada em azul. Em cima à esquerda, a distribuição antes de 11 de março/2020; em cima à direite, a distribuição em 11 de Março/2020; em baixo à esquerda a distribuição em 11 de Abril/2020; em baixo à direita a distribuição em 11 de junho;2020.
Rastreando mutações da espícula do SARS-CoV-2 (lanl.gov)
 

 

  Figura 20
Percentagem de casos positivos para Covid-19 conforme detectado em um laboratório no sul da Inglaterra entre o início de outubro e metade de Dezembro/2020. As barras azuis mostram os testes positivos em percentual de todos os testes realizados. Estes aumentaram de 7% para cerca de 20% na metade de Dezembro. As barras alaranjadas mostram a proporção de testes que detactaram a variante B.1.1.7. A variante esteve pouco presente no início de outubro, enquanto que na metade de Dezembro quase todos os testes revelaram a variante.
 

  Figura 21
Os domínios da proteína S do SARS CoV-2 mostrando os sítios de clivagem pela Furina.
 

Figura 22
As mutações importantes na variante B.1.1.7 encontradas originalmente no sudeste da Inglaterra. Três são deleções e 14 são mutações de ponto. Elas fazem um cluster nas fases de leitura aberta 1a, S (proteína da espícula), 8 e N.
.

  Figura 23
A distribuição de mutações importantes no gene S da variante B.1.1.7 é vista em vermelho na parte inferior da figura. As mutações na variante 501Y.V2 do Sul da África como detectadas até 15 de outubro/2020 são mostradas em cima, em laranja. Ao final de novembro a variante adquiriu mutações adicionais mostradas em azul. Todas estas variantes têm a mutação D614G. Aminoácidos sombreados estão no domínio de ligação ao receptor.
 

Figura 23a
A distribuição de mutações importantes no gene S da variante P.1 (em cima) e da variante B.1.1.7 (em baixo)

 

 

 

 

  Figura 24
Apresentação da proteína S do SARS CoV2 ao Sistema imune por uma vacina de RNAm.
O RNAm capeado e poliadenilado é encapsulado no interior de uma nanopartícula lipídica (A) que é capturada por um endossomo (B e C). O RNAm é liberado no citoplasma e se associa a ribossomos. A proteína traduzida contém uma sequência de sinal no terminal N de forma que o polissomo se associa com o receptor de sinal na superfície citoplasmática do retículo endoplasmático e transloca para o espaço intra-retículo endoplasmático. Ela adquire modificações pós-tradução, incluindo glicosilação, dobra-se da forma normal e trimeriza (D). A proteína S segue a rota exocítica normal via Complexo de Golgi e passa pelos exossomos (E). Daí a proteína pode ir para a superfície da célula (F) e adentrar por endocitose em um endossomo proteolítico (G) ou pode ir diretamente para um endossomo proteolítico sem secreção (H). A proteína é degradada por proteases endossomais e os peptídeos resultantes são ligados a antígenos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) (I)Ocorre então a ativação de células T CD4+ e CD8+ via apresentação dos peptídeos no MHC de classe II e de classe I, respectivamente (J).
 

  Figura 25
Estrutura da pseudouridina e uridina.
 

  Figura 26
Transcrição de uma molécula de vacina de RNAm a partir de um construto de plasmídeo.
 

  Figura 27
1-methylpseudouridine. Um grupo metílico estra é adicionado enzimaticamente à base do pseudouracil.
 

 

 

Ver também:

VIROLOGY CHAPTER 8

VACCINES

VARIANTES DO SARS COV-2

SARS CoV-2 pertence à família dos Coronavírus que tem o maior genoma entre todos os vírus de RNA. Apesar de terem alguma capacidade de revisão de leitura, esses vírus, assim como todos os vírus de RNA, são sujeitos a rápidas mutações quando eles replicam. A maioria das mutações são deletérias para o vírus ou são silenciosas (isto é, não têm efeito). Esta última não altera a sequência de amonoácidos (só alteram a sequência de nucleotídios) ou são mutações conservativas nas quais as propriedades das cadeias laterais dos aminoácidos são similares (ex. uma mudança de alanina para leucina ou ácido aspártico para ácido glutâmico). Entretanto, algumas mutações dão ao vírus uma vantagem seletiva; eles irão proliferar mais rapidamente e irão se tornar dominantes na população rapidamente.


Mutação D614G

O vírus original de Wuhan tem um ácido aspártico na posição 614 na região de ligação ao receptor da subunidade S1 da proteína da espícula (614D). Este mutou para uma forma mais infecciosa com glicina na mesma posição. O vírus mutante (conhecido como D614G, ou simplesmente G614) aumentou de frequência relativa à 614D de uma forma consistente com uma vantagem seletiva. Este tipo substituição de aminoácidos por mutação se tornou cada vez mais comum à medida que o vírus SARS-CoV-2 se espalha pelo mundo. De fato, os vírus originais G614 SARS-CoV-2 diferiram da forma original de Wuhan por 4 mutações e quase sempre G614 é encontrada ligada a outras 3 mutações.

A forma de vírus D614 de Wuhan se espalhou rapidamente pelo globo no início de 2020, mas quando D614 e G614 co-circularam a forma G614 normalmente mostrava um crescimento rápido na frequência relativa e veio a dominar a população de vírus. D614G é agora claramente a forma dominante do vírus globalmente e a transição levou cerca de 4-6 semanas (figura 18 e 19).

Uma questão surgiu sobre porque G614 pareceu sobrepor D614. Isto pode ser devido ao conhecido efeito do fundador em que a forma mutante surgindo em um super disseminador faz com que haja mais desses vírus disponível para infectar outras pessoas. Alternativamente, a forma mutante poderia ser simplesmente mais infecciosa (isto é, transmissível) do que a forma D614. Esta última parece ser o caso, visto que a frequência de G614 aumentou em todos os lugares em Março/2020, incluindo em muitas áreas onde G614 apareceu em epidemias locais de G614 bem estabelecidas. Uma investigação profunda da transmissibilidade no Reino Unido encontrou que G614 aumenta em frequência relativa à D614 de maneira consistente com uma vantagem seletiva no vírus.


Variante do UK B.1.1.7 Dezembro 2020

Variantes surgem a toda hora com as mutações do vírus, mas em Dezembro/2020 uma variante chamada B.1.1.7 foi identificada que apareceu mais frequentemente em amostras no sul da Inglaterra, embora esta variante tenha estado de fato circulando por alguns meses. Quando comparada com ovírus de Wuhan, esta variante contém 23 mutações. Algumas são silenciosas, mas algumas podem afetar a interação da proteína S do vírus com o receptor ACE2 da célula. Esta variante deslocou outras variantes à medida que ela se espalha pelo sudeste da Inglaterra, sugerindo que é mais facilmente transmissível (mais do que D614G que já era mais transmissível do que o vírus original de Wuhan) embora outras explicações do deslocamento sejam possíveis. É estimado que B.1.1.7 tem uma taxa de transmissão aumentada de 50 a 70 porcento comparada com outras variantes. Embora a variante se espalhe mais rapidamente, não há evidência de que ela cause doença mais severa ou de que ela não seja suscetível a vacinas que tenham como alvo originalmente a D617G.

A proteína S consiste em 1273 aminoácidos. No corpúsculo de Golgi ela é clivada por uma protease chamada Furina às subunidades S1 e S2. Há dois sítios de clivagem de Furina e uma parte da proteína é perdida. A subunidade S1 contém um peptídio sinal no terminal N e o domínio de ligação ao receptor. A subunidade S2 contém a sequência de fusão que permite o envelope viral se fusionar com a membrana celular, o domínio transmembrana e o domínio citoplasmático (figura 21).

B.1.1.7 tem 23 mutações não sinônimas (mutações que fazem com que um aminoácido mude ou pare a síntese protêica. A Figura 22 mostra as mutações de importância na variante. Oito dessas mutações estão no gene da proteína S incluindo duas pequenas deleções. Duas são no domínio de ligação ao receptor da proteína S; estas são N501Y que causa uma mudança de Asn a Tir (ambos aminoácidos polares neutros, embora a cadeia lateral da Tir seja maior) e A570D em que a mudança é de Ala para Asp. Esta é uma mudança não conservativa na qual um aminoácido polar neutro é substituído por aminoácido polar. Esta mutação pode ser a base de maior transmissibilidade da variante pois ela pode alterar interação proteína S - receptor.  Três mutações são em uma ORF (fase de leitura aberta) 8, uma das quais é uma mutação de parada levando a uma proteína truncada inativa. Entretanto, a deleção ORF8 tem apenas um pequeno efeito na replicação do vírus, comparado a vírus sem a deleção.

No final de dezembro/2020 esta variante foi identificada em vários países a nos Estados Unidos. Nenhuma das duas primeiras variantes positivas americanas viajaram internacionalmente nas semanas recentes.


Variante Sul-Africana 501Y.V2

Ao mesmo tempo em que B.1.1.7 estava emergindo como dominante, a variante mais transmissível no sudeste da Inglaterra, outra mais transmissível variante estava surgindo no sul da África. Esta é conhecida como 501Y.V2 e tem oito mutações definidoras de linhagens na proteína da espícula, incluindo três em aminoácidos importantes no domínio de ligação ao receptor que pode ter importância funcional. Essas mutações são mostradas na figura 23 onde são comparadas com as de B.1.1.7. As três mutações importantes em 501Y.V2 são K417N (Lis para Asn, básico para neutro polar), E484K (Glu to Lis, uma mudança de um ácido para um básico) e N501Y (Asn para Tir, ambos aminoácidos neutros polares). A mutação N501Y é também vista no gene da proteína S de B.1.1.7 e é parte do loop de ligação na região de contato com a ACE2 humana, onde forma uma ponte de hidrogênio com a tirosina 41 do ACE2. Ela também interage com a lisina 353 na região ligadora ao vírus de ACE2 e pode aumentar a afinidade de ligação do SARS-CoV-2 pelo ACE2 humano. Há alguma evidência de que a mutação E484K também possa modestamente aumentar a afinidade de ligação do receptor, mas a mutação K417N tem pouco efeito na afinidade de ligação da ACE2.

A variante, como seria esperado, acumulou mais mutações com o tempo. Em 15 de Outubro a variante sulafricana tinha, além da D614G, cinco outras mutações não sinônimas na proteína da espícula: D80A, D215G, E484K, N501Y e A701V. Três mutações de espícula adicionais emergiram ao final de novembro: L18F, R246I e K417N (figura 23).
 

Alterações na variante B.1.1.7 - janeiro 2021

A original B.1.1.7 não contém a mutação de escape (E484K) que torna a variante sulafricana mais resistente a vacinas. E484K faz com que seja mais difícil para os anticorpos se acoplarem ao vírus e impedí-los de entrarem nas células. No final de janeiro de 2021 algumas variantes B.1.1.7 na Grã-Bretanha parecem haver adquirido a mutação E484K.
 

Variante P.1 (B1.1.248)

Em Abril/2020 Manaus, uma cidade na Amazônia brasileira, sofreu uma severa primeira onda de infecções pelo SARS-CoV-2, mas a população resistiu a lockdowns e distanciamento social não foi seguido. Como resultado, foram tantas as pessoas sendo infectadas (76% da população) que se pensou que a cidade teria chegado a uma imunidade de rebanho, visto que eles pensavam ter proteção contra o vírus. Como resultado da imunidade de rebanho chegando a três quartos da população infectada na onda inicial do vírus, foi esperado que não haveria muita disseminação do vírus em uma segunda onda na qual o número Rt seria menor que 1. Entretanto, em Janeiro de 2021, Manaus sofreu uma segunda onda de infecção da COVID-19 que congestionou seus hospitais deixando os suprimentos de oxigênio exauridos e dezenas de pessoas a morrerem em suas casas e em hospitais de cuidados intensivos. O sequenciamento mostrou que uma nova variante de SARS-CoV-2, conhecida como P.1, foi responsável por cerca de metade das novas infecções. P.1 foi também encontrada em poucos casos no Japão, entre pessoas que haviam viajado recentemente de Manaus. Assim como outras variantes, tais como as inicialmente identificadas em UK e na África do Sil, P.1 aparenta ser mais transmissível do que a do vírus original D614G que se espalhou pelo mundo, causando preocupações sobre um risco maior de disseminação. O vírus tem 17 mudanças de aminoácidos típicas, 3 deleções e 4 mutações sinônimas, e mais uma inserção de 4 nucleotídios comparado com os vírus mais estreitamente relacionados. Como em outras variantes, mutações no sítio de ligação da proteína S são as que mais preocupam. São elas a K417N, E484K e N501Y (figura 23a). No caso da lisina na posição 417, há uma mudança para Asn na variante sulafricana e para Thr na variante P.1. N501Y é encontrada na variante de UK e sulafricana e mudanças em 417 e 484 estão também na variante sulafricana. No final de janeiro/2021 a variante P.1 se espalhou pelo Japão, Alemanha e Estados Unidos.

Então, por que uma segunda onda de infecções? Seria porque P.1 não é reconhecido por anticorpos em pessoas que foram infectadas durante a primeira onda de infecção? Poderia ser que as pessoas presumivelmente imunes por causa da primeira infecção foram reinfectadas sugerindo que a imunidade que eles desenvolveram durante a primeira onda não foi capaz de suprimir a nova variante. Isso é muito preocupante para a eficácia de vacinas. Entretanto, nós não sabemos (Janeiro 2021) se as pessoas estão sendo reinfectadas ou se o vírus mais altamente transmissível está se espalhando para o quarto restante da população, visto que no final de Janeiro de 2021 houve apenas um caso confirmado de reinfecção; poderia ser que a transmissibilidade aumentada tenha elevado o Rt e portanto o patamar do início da imunidade de rebanho.

Além de fazer o vírus mais transmissível, aparentemente as mutações P.1 diminuem a capacidade do sistema imune de reconhecer e neutralizar o vírus. Isso também parece ser o caso com a variante sulafricana que é tão similar a P.1 em três sítios importantes na proteína S. Estudos sobre se a variante sulafricana poderia ser neutralizada com anticorpos de pacientes infectados com versões antigas do SARS-CoV-2 mostraram que em certa da metade dos casos a nova variante foi resistente à neutralização pelo plasma do soro; entretanto, deve ser observado que enquanto P.1, como as outras variantes, é mais altamente transmissível, não há evidência atualmente de que ela cause doença mais severa.
 

Mutações em P.1 (figura 23a)

N501
A mutação em N501 permite a proteína S do vírus se ligar mais facilmente ao receptor ACE2 na superfície da célula. Isso torna o vírus mais infeccioso (até 70% mais infeccioso em alguns estudos).

E484
A mutação em P.1 no aminoácido 484 (Glu para Lis) é mais preocupante. Ela tem sido referida como mutação de escape e está também na variante sulafricana, mas não na do UK. Ela parece permitir que o vírus escape pelo menos parcialmente dos anticorpos gerados em uma infecção prévia não-P.1 e também possivelmente os anticorpos nos cocktails terapêuticos monoclonais feitos por companhias como a Regeneron. É de grande preocupação que esta mutação possa permitir que o vírus escape aos anticorpos gerados pelas vacinas atuais, que iria necessitar a alteração das sequências de DNA usadas para gerar tais vacinas. É provável que a vacina trabalhe contra as novas variantes, evitando a doença pelo COVID-19 séria, que será substituída por sintomas mais amenos.

K417
Ambas as variantes P.1 e a sulafricana têm uma mutação no aminoácido 417, embora os aminoácidos alterados difiram nas duas variantes (Thr na variante P.1 e Asn na sulafricana). O fato de as mutações ao que sabemos devem ter surgido independentemente sugere-se que estas confiram alguma vantagem para o vírus, mas sua importância é desconhecida.
 

Variante P.2

Em 12 de Janeiro/2021, pesquisadores no Brasil relataram a detecção de uma variante da linhagem P.1 que, como na variante P.1 tem a mutação E484K. Ela provavelmente evoluiu intependentemente da variante P.1.
 

São essas variantes neutralizadas pelas vacinas atuais?

A resposta parece ser sim, embora a variante sulafricana possa ser menos suscetível a ambos os antibióticos produzidos em uma infecção natural e pelas primeiras vacinas, mas pelo menos elas previnem doença séria.
 

Co-infecções

Dois casos de COVID-19 foram descobertos no Brasil em pessoas com seus 30 anos de idade que foram infectadas pelas duas variantes P.2 e uma linhagem diferente que circula no Brasil. É possível que essas co-infecções possam levar à criação de variantes híbridas adicionais.

 

VACINAS CONTRA A COVID-19

Até a pandemia pelo Covid, todas as vacinas bem sucedidas foram baseadas em vírus atenuados, partículas virais mortas ou proteínas purificadas (vacinas de subunidades). Estas apresentam proteínas virais com ou sem o contexto viral ao sistema imune. Elas requerem muito desenvolvimento, leva tempo para produzir em grandes quantidades, requerem uma purificação substancial e normalmente não apresentam o antígeno ao sistema imune da mesma maneira que uma infecção natural, que resulta em uma célula infectada por vírus. Até dezembro/2020, nenhuma vacina tinha sido aprovada para uso humano que fosse baseada na injeção de ácidos nuclêicos, embora essas vacinas sejam mais fáceis de serem produzidas em grandes quantidades e possam ser rapidamente acompanhadas para mudanças no vírus circulante usando técnicas de biologia molecular.

Vacinas baseadas em ácidos nuclêicos pode ser de DNA ou de RNA. Vacinas de DNA consistem no gene apropriado inserido em um vetor viral que pode ser capturado pela célula, transcrito o RNAm e traduzido a proteína. Vacinas de RNA omitem a primeira etapa e inserem diretamente um RNAm traduzível no citoplasma da célula. Ambos os tipos de vacina fazem com que a célula produza e processe proteínas virais ou proteína da mesma forma que ocorre em uma infecção natural. A proteína de superfície codificada pelo ácido nuclêico passa através das vias de exportação das células adquirindo as modificações pós-tradução que também ocorre na infecção natural. O antígeno pode ser também passado através das vias proteossomais ou proteolíticas resultando em peptídios que podem ser apresentados na superfície celular em  associação com antígenos de histocompatibilidade de classe I e classe II e assim mediar uma forte resposta imune mediada por células e também uma resposta mediada por anticorpos.

VACINAS DE RNAm

As primeiras duas vacinas aprovadas no fim de 2020 são baseadas em um protocolo no qual o RNAm codificando para o antígeno de interesse envolvido por um carreador lipídico (nanopartícula lipídica) é injetado na pessoa que se vacina. O lipídio protege o RNAm contra ribonucleases e facilita sua entrada nas células. O RNAm é traduzido a proteína, processado e apresentado ao sistema imune da maneira usual. A proteína de interesse é normalmente a que se liga ao receptor da célula e anticorpos contra esta proteína - que bloqueiam a interação vírus-receptor da célula - irá impedir a infecção e são chamados de anticorpos neutralizantes. No caso de vacinas contra o SARS-CoV-2, este é o antígeno S que liga ao receptor ACE2 humano.

Um grande problema com as vacinas de RNAm é sua estabilidade em trânsito do local de fabricação fora da célula até o local da infeção e dentro da célula. O DNA, inerentemente estável dentro da célula, visto que ele passa o código genético de uma célula para outra indefinidamente. Ao contrário, RNAm têm uma vida muito curta comparada com a do DNA. A quantidade de um RNAm depende do equilíbrio entre a taxa de síntese e a taxa de degradação. Muitas proteínas são requeridas somente por um tempo muito curto, e se seus RNAm fossem muito estáveis o nível de proteínas não poderia ser controlado. Porisso, embora todos os RNAm tenham vida curta, muitos são degradados muito rapidamente após a tradução, facilitando respostass rápidas às condições na célula. Os RNAm são degradados por ribonucleases (RNAses). Diferentes RNAm têm diferentes graus de estabilidade, resultando de suas estruturas secundárias e da natureza dos terminais da molécula. Estes são conhecidos como elementos cis. Além disso, sua estabilidade é também regulada pelos fatores de ligação ao RNA ou elementos trans. Elementos cis incluem a cauda 3’ poli-A e o 5’ metil-guanosina cap. A cauda 3’ poli A é ligada pelas proteínas ligadoras de poli A que estabilizam o RNA. Essas proteínas requerem um certo comprimento de cauda poli A para ligar e assim quanto mais longa a cauda poli A mais dessas proteínas podem ligar ao RNA. O RNAm é degradado do lado 3’ por uma exonuclase e do lado 5’ pela remoção do 5’ cap e pela ação exonucleásica da 5’-3’ exonuclease. A atividade endonucleásica também degrada RNAm e isso pode ser regulado por outras proteínas ligadoras a RNA. Sequências ricas em AU na região 3’ não traduzida (UTR) estão também envolvidas na estabilidade.

RNAm pode ser também estabilizado por modificações químicas das bases do ácido nuclêico propriamente. Tais modificações incluem metil adenosina, a N-1-metilpseudouridina e pseudouridina (feita da uridina pela pseudouridina sintetase (figura 25), uma modificação de base que é comum no RNAt e aumenta a estabilidade. No RNAm estas bases substituídas aumentam a tradução. Pseudouridina e N-1-metilpseudouridina reprimem os acionadores de sinalização intracelulares da ativação da proteína-cinase, que estão envolvidos na estabilidade do RNAm. Evidentemente, tais modificações não devem alterar a fidelidade da tradução da mensagem.

Vacinas de RNAm são feitas pela transcrição de um plasmídio que codifica para uma proteína reconhecida por um anticorpo neutralizador, no caso de uma vacina contra Covid-19 é a proteína S. O plasmídio, o qual contém as sequências de promotor apropriadas, é linearizado e transcrito in vitro usando a RNA polimerase de um fago T7, T3 ou Sp6. O produto resultante contém uma fase aberta de leitura que codifica para a proteína S flanqueada por UTRs 5’e 3’, por uma 5’ metil guanosina cap e uma cauda poli A. Isso é utilizado como vacina.

A figura 26 mostra uma maneira pela qual isso pode ser feito em um sistema da AmpTec O gene da proteína S é clonado em um sítio de inserção em um plasmídio m13 junto com o promotor (A) de T7. Um primer sentido complementar ao terminal da sequência do M13 (Pri) e um segundo primer reverso (anti-sentido) complementar ao final do gene S são usados (B). Este último primer inclui uma sequência poli T, normalmente em torno de 120 nucleotídios que não hibridiza com nenhuma sequência de m13. Usando PCR, a estrutura de DNA mostrada em C é produzida. Este é então usado em transcrição in vitro a partir do promotor de T7 para formar um RNAm poliadenilado, mostrado em D. A transcrição in vitro pode acontecer na presença de nucleotídeos modificados tais como o pseudouracil e/ou N6-metil adenosina, 5-metil citidina e outros. Estes RNAm modificados são muito mais estáveis do que os RNAm normais e são altamente traduzíveis conferindo à vacina uma eficácia muito maior.

A proteína resultante é processada da maneira normal através da via exocítica com todas as modificações pós-tradução usuais incluindo glicosilação e transportada para a cuperfície da célula. Como descrito acima, a proteína pode também ser clivada por proteases para formar pequenos peptídeos que podem ser apresentados na superfície da célula ao sistema imune. As células têm mecanismos anti-virais para detectar e degradar RNAs estranhos e passos têm sido dados para minimizar isso.

Mesmo com as modificações de nucleotídeos, o RNAm nu é muito provável que seja rapidamente degradado quando injetado na pessoa que se vacina. Além disso, o RNAm pode cruzar a membrana celular para ganhar acesso à maquinária de tradução a proteínas da célula. Ambos os problemas podem ser resolvidos pela encapsulação do RNAm em um envelope lipídico (uma nanopartícula lipídica ou lipossomo) que ajuda a vacina de RNAm a entrar no citodplasma direto do endossomo sem ser degradado em um lisossomo.

As vacinas iniciais de RNAm contra Covid da BioNtec e Moderna usam uma tecnologia similar à descrita acima. Uma modificação que pode ser usada em vacinas de RNAm futuras é fazer uma vacina de RNAm que contenha não apenas RNAm para a proteína de escolha (ex. a proteína S do SARS-CoV-2), mas também um RNAm para uma RNA polimerase (replicase) viral RNA-dependente. Quando este tipo de vacina de RNAm for injetado em uma pessoa que se vacina, ao entrar na célula, ele será traduzido a proteína S e a replicase (que deverá ser codificada no mesmo RNAm ou em um segundo RNAm). A replicase viral pode reconhecer sinais de replicação incluídos nas vacinas de RNAm e podem então amplificar o poder da vacina de RNAm, fazendo mais cópias do RNAm e portanto, mais cópias da proteína. Visto que há agora mais vacinas de RNAm na célula do que o que era originalmente enviado ao citoplasma, isto se chama de abordagem RNAm auto-amplificante (SA) (do inglês self-amplifying).
 

Vacina Covid-19 Pfizer-BioNTech: Tozinameran (BNT162B2. Nome comercial: Comirnaty)

Tozinameran foi a primeira vacina de RNAm a ser aprovada. Em estudos clínicos sua eficácia é em torno de 95% 28 dias após a primeira dose e é bem tolerada. Em um dos estudos iniciais houve 170 casos confirmados de Covid-19dos quais 162 foram no grupo placebo e 8 no grupo vacina. Ela é ministrada em duas doses com três semanas de diferença. Não foi avaliada para infecção assintomática. Ela aparenta ser eficiente contra as variantes descritas acima. Esta vacina precisa ser armazenada e transportada a -70 C.

Contém (Programa de Denominação Comum, OMS):

Uma estrutura modificada 5’-cap1(m7G+m3'-5'-ppp-5'-Am)

Região 5´- não traduzida derivada do RNA da alfa-globina humana com uma sequência Kozak optimizada. Esta última assegura que a proteína é corretamente traduzida pelo ribossomo e funciona como sítio de início de tradução na maioria dos RNAm eucarióticos.

Peptídio sinal da glicoproteína S necessário para dirigir o complexo proteína/ribossomo nascente até o receptor de sinal na superfície citoplasmática da membrana do retículo endoplasmático rugoso. Isto guia a translocação da proteína para a orientação correta no retículo endoplasmático.

Sequência de códons optimizada codificadora da proteína de tamanho completo do SARS-CoV2 S que contém duas mutações: K986P e V987P. Estas alteram o dobramento da proteína S de forma que ela adote uma conformação pré-fusional antigenicamente optima. Todas as uridinas são substituídas por resíduos de 1- metil-3’-pseudouridina (Ψ) (figura 27) que são não obstante, traduzidas eficientemente.

Ao final da sequência codificadora existem dois códons de parada ΨGA.

A região não traduzida 3´compreende dois elementos de sequência que conferem estabilidade ao RNA e elevada expressão de proteínas.

Uma cauda poli A com 110 nucleotídeos consistindo de um trecho de 30 resíduos de adenosina seguido de uma sequência ligadora de 10 nucleotídeos e outros 70 resíduos de adenosina.

Além destes a vacina contém lipídios que formam as sólidas nanopartículas que encapsulam o RNAm (ALC-0315 = ((4-hidroxibutil) azanediil)bis(hexano-6,1-diil)bis(2-hexildecanoato); ALC-0159 = 2-[(polietilenoglicol)-2000]-N,N-ditetradecilacetamida; 1,2-Distearoil-sn-glicero-3-fosfocolina; e colesterol. Em adição, a vacina contém água, sucrose, fosfato de sódio dibásico de-hidrato, fosfato de potássio monobásico, cloreto de potássio e cloreto de sódio.


Vacina Moderna. RNAm 1273

A vacina Moderna é também de RNAm consistindo em uma mensagem sintética codificadora da glicoproteína pré-fusão estabilizada da espícula do vírus SARS-CoV-2 vírus. A estabilização pré-fusão é conseguida pela substituição de duas prolinas como na vacina da BioNTech.

Novamente, o RNAm é feito pela transcrição de um promotor de T7 em uma reação em que UTP foi substituído por 1-metilpseudoUTP. Além do RNAm, a vacina contém lipídios para formar uma nanopartícula lipídica: (SM-102, 1,2-dimiristoil-rac-glicero3-metoxipolietileno glicol-2000 [PEG2000-DMG], colesterol, e 1,2-distearoil-snglicero-3-fosfocolina) e, trometamina, cloridrato de tromethamine, ácido acético, acetato de sódio, sucrose e água.

A eficácia do 1273m é em torno de 94.1%, similar ao da vacina da BioNTec. Em um estudo inicial, houve 196 casos confirmados de Covid-19 dos quais 185 foram no grupo placebo e 11 no grupo vacina.

Els tem como vantagem sobre a anterior a formulação da nanopartícula lipídica, que permite que ela seja armazenada e transportada a 2-8C, e não -70C como é o caso da vacina BioNTec. É administrada em duas doses, três semanas entre estas.

 

VACINAS DE DNA BASEADAS EM ADENOVÍRUS

Vacina: AZD1222, CHADOX1 NCOV-19 – AstraZenica/Universidade de Oxford

A vacina ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) consiste no vetor de adenovírus símio deficiente em replicação ChAdOx1 contendo o gene completo da glicoproteína S do SARS-CoV-2, com uma sequência lider ativadora de plasminogênio tissular. ChAdOx1 nCoV-19 expressa uma sequência codificadora com códon optimizado para a proteína S. Um adenovírus símio e não o humano é usado porque o uso de adenovírus humano é limitado pela imunidade pré-existente ao vírus na população humana, que reduz significantemente a imunnogenicidade de vacinas baseadas no vírus humano. Isto não é problema com o vírus símio, embora adenorírus símios são estreitamente relacionados aos adenovírus humanos, as regiões hipervariáveis dos imunógeno principais são significantemente diferentes das do vírus humano, evitando assim imunidade pré-existente.

O vetor adenovírus símio não tem a região E1 codificadora para as proteínas virais transativadoras, que são essenciais para a replicação do vírus e a região E3 codificadoras de proteínas imunomodulatórias. Deleção desta última permite a incorporação de sequências genéticas maiores no vetor viral.
A vacina de adenovírus é capturada por células e o material genético é transcrito no núcleo para produzir o RNAm que é traduzido à proteína S.

A eficácia é de até 90%, dependendo da dosagem. Maior eficácia foi encontrada em um subgrupo no qual a primeira das duas doses foi dada pela metade. A eficácia média foi de 70.4%.

AD5-NCOV, Convidicea (Cansino Biologics, China)

Esta é outra vacina baseada em adenovírus. É baseada no adenovírus humano recombinante deficiente em replicação vetor tipo 5 para induzir uma resposta imune. Novamente, o vírus foi tornado deficiente em replicação pela deleção dos genes E1 e E3. Ele codifica para um gene de tamanho completo da proteína S baseado na sequência do vírus Wuhan-Hu-1 com gene do peptídeo sinal ativador de plasminogênio tissular.

GAM-COVID-VAC, Sputnick V (Gamaleya Research Instituto de Epidemiologia e Microbiologia, Russia)

Gam-COVID-Vac é uma vacina baseada em dois vetores modificados de adenovírus humano contendo o gene que codifica para a proteína S do SARS-CoV-2. A primeira inoculação usa adenovírus 26 (Ad26) como o vetor para o gene da proteína S, enquanto o segundo usa adenovírus 5 (Ad5). Esta vacina demonstrou em janeiro de 2021 ter uma eficácia de 91,6% contra Covid-19 sintomática.

AD26.COV2.S, JNJ-78436735 (Janssen/Johnson e Johnson, Estados Unidos e Bélgica)
Esta vacina é baseada também em um vetor adenovírus modificado recombinante. Como a vacina Sputnick, usa Ad26 humano expressando a proteína S, neste caso em uma única inoculação. Ela produz anticorpos neutralizante poderosos e resposta mediada por células. Usa a tecnologia AdVac, que aumenta a estabilidade de forma que a vacina pode ser armazenada na temperatura de refrigerador por pelo menos três meses.

 

VACINAS DE SUBUNIDADES

NVX-CoV2373, Novavax

A vacina Novavax (NVX-CoV2373) é baseada em tecnologia mais antiga usando a proteína S do SARS-CoV-2 S com um adjuvante Matriz M. Em Estudos Clínicos ela produziu altos níveis de anticorpos anti- proteína S e tem sido adquirida por vários governos como parte de suas estratégias anti-Covid-19. O gene da proteína S é inserido em um baculovírus. A família Baculiviridae é uma família de vírus de DNA circular dupla fita (80-180 pares de bases) que infectam insetos e artrópodos. O baculovírus modificado é então usado para infectar células de insetos (comumente células Sf9 isoladas de Spodoptera frugiperda, (a lagarta-do-cartucho) que faz a proteína S. Esta forma trímeros nativos na superfície da célula infectada. Estas proteínas são extraídas e associadas com nanopartículas lipídicas e assim a proteína S é apresentada ao sistema imune da maneira similar à que ocorre na superfície de uma célula infectada. Um adjuvante extraído da Quillaja saponaria Molina 'Soap bark tree' que como o nome em inglês indica (soap = sabão) pode ser usada como sabão. No caso de vacinas, ele estimula a atração de células imunes para o local da injeção onte elas irão responder mais eficientemente. As propriedades adjuvantes vêm das saponinas (glicosídeos triterpenos). As nanopartículas que contêm a proteína S são capturadas pelas células apresentadoras de antígenos, clivadas em peptídeos e apresentadas na superfície como antígenos em associação com o MHC a células T e B.

 

Estudos de fase 3 têm mostrado que esta vacina tem 89% de eficácia contra o Covid-19 e aparentemente proporciona forte imunidade contra as variantes do Reino Unido e do sul da África.

 

VACINA DE PARTICULAS VIRAIS INATIVADAS

Vacina valneva (VLA 2001)
Esta usa uma tecnologia muito mais estabelecida similar à usada na vacina Salk da pólio, que é o uso de partículas virais totais inativadas. O vírus é crescido em células (Vero) de rins do macaco verde africano, purificados e inativados com um agente tal como a formalina. A vacina também contém adjuvantes alum e CpG 1018. CpG 1018 é um receptor agonista tipo-toll 9 (TLR9).

OUTRAS VACINAS

ITMV-083, Instituto Pasteur
Esta é uma vacina de vírus atenuado usando o vírus da vacina do sarampo com um vetor que expressa a proteína antigênica S do vírus SARS-CoV-2 vírus. Devido à baixa eficácia, o desenvolvimento desta vacina foi abandonado.

Há várias outras vacinas contra o SARS-CoV-2 em estudos de fase I e II incluindo tecnologias antigas, tais como partículas de vírus totais inativados por formalina (Sinovac e Sinopharm).

 

POR QUE PRECISAMOS DE DUAS INOCULAÇÕES?

A maioria das vacinas que são desenvolvidas contra o SARS-CoV-2 requerem duas inoculações. Isso é por causa da maneira que o sistema imune responde a patógenos estranhos, tais como um vírus infectante.

Inicialmente, é importante suprimir a infecção impedindo que o patógeno entre nas células e se replique. A infecção por um vírus que se liga ao seu receptor na superfície da célula (ACE2 no caso do SARS-CoV-2) dispara uma resposta inicial na qual plasmócitos (linfócitos B|) produzem anticorpos neutralizantes que se ligam à superfície do organismo invasor como no caso do SARS-CoV-2, bloqueando a ligação da proteína S do vírus a ACE2. A resposta por anticorpos, entretanto, declina rapidamente, mas algumas das células B se diferenciam em células B de memória que sobrevivem por muito, muiito tempo e se re-alocam na periferia do corpo. Aí elas irão mais provavelmente encontrar mais antígenos durante uma segunda exposição. Quando isso acontece, elas proliferam e diferenciam em mais células B que irão responder ao antígeno produzindo mais anticorpos. Células B de memória podem sobreviver por muitos anos de forma que elas são capazes de responder a exposições múltiplas do mesmo antígeno.

Durante a primeira fase da resposta imune, as células imunes também secretam citocinas, que recrutam outras células imunes para o local da infecção, entre elas estão as células auxiliares CD4-positivas e células T citotóxicas (células T assassinas) que reconhecem e matam células infectadas por vírus. E como as células B, células T se diferenciam em células de memória que podem reativar e proliferar em resposta a nova exposição ao antígeno original.  Estas células T de memória podem também permanecer no corpo por muitos anos (e talvez pela vida inteira).

Visto que somente um número pequeno de células T de memória são feitas como resultado da exposição inicial, uma segunda exposição ao antígeno (infecção ou inoculação) é necessária para amplificar o seu nível. Assim, com as vacinas de RNAm do SARS-CoV-2, a proteção se inicia após 12 dias da primeira inoculação e se eleva em cerca de 50% de eficiência. Após a segunda injeção três ou quatro semanas mais tarde, a segunda fase da resposta imune começa, e as células B e T de memória aumentam e a eficácia se eleva para cerca de 95%.

 


 

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